sexta-feira, 11 de junho de 2010

O descaso do enterro


Ao chegar em casa tenho noticias do falecimento de um dos irmãos de uma querida amiga. Este é o tipo de assunto que em todos, imagino, gera um certo incomodo e, sem querer, remete-nos a nossos próprios lutos. É a vida com sua teimosia que cisma em continuar. Devido ao avançado da hora e, tendo em vista a eventual ocorrência de assaltos aos incautos que se impõe tal tarefa preferi ir ao velório logo pela manhã. Decisão tomada, recolhi-me.

No dia seguinte, segui para o velório no cemitério do Bonfim, onde o amigo, em corpo presente, recebia as, derradeiras, homenagens. Passado o tempo dos cumprimentos de pêsames e das emoções que se põem em nós, sentei-me e, aproveitando do momento, pus-me a refletir sobre os valores da vida e suas efemeridades. Até que o assunto de uma conversa, que ocorria ao meu lado e concorria com meus pensamentos, me chamou a atenção. Não havia água no prédio.

Depois desse alerta vi aguçada a curiosidade. De pronto, levantei-me e comecei a medir passos e observar o estado das coisas. Começando pelos jardins, era lastimável o que via. Apesar de mostrar alguns arbustos recortados, escondia-se, por detrás, a grama alta e mal conservada. A fachada, de mármore branco, tem na pequena marquise algumas pedras que se soltaram e não foram recolocadas. Em seu interior o prédio é triste. Triste não apenas por carregar em si um contexto de luto e dor, mas por sua conservação que é um insulto. Logo na entrada dá-se de cara com uma escada com a pintura descascada que, aparentemente, leva a lugar nenhum. Bem larga, ela vai até um portão fechado no subsolo. As paredes sujas são adornadas com uma horripilante barra de tinta a óleo, que se apresenta completamente descascada. Além do chão de marmorite imundo. As unidades do velório, em seu interior, acompanham a decoração de todo o prédio, ou seja, a completa falta de conservação e o descaso gritante. E, pasmem, não fica nisso: ao sair e caminhar pelo passeio externo fui deparando com o abandono do conjunto que, pelo jeito, não é culpa do período de chuvas, já que o mato, no meio da calçada, está para mais de metro. Um descaso total com a coisa pública.

Acha que termina aqui. Ledo engano. Em conversa com a irmã sobre os motivos do passamento, essa me conta que o próprio depois de quinze dias de internação não resistiu a uma pneumonia dupla. Para ela, incomodava o fato do irmão, no início de seu calvário, ao encaminhar-se ao setor de emergências do Hospital do Ipsemg, em Belo Horizonte, a procura de tratamento, apresentava como sintoma dores incômodas nas costas. Ao ser atendido pelo médico, conta-se que, depois de um aguçado exame de olhar, foi sentenciado e saiu do consultório com uma receita de anti-inflamatório. Tudo depois de três horas de espera e quase dois minutos de consulta. Passados alguns dias sem apresentar nenhuma melhora, retorna ao mesmo hospital e desta vez, para fim dos pecados, é atendido por outro médico que, prescreveu, antes de mais nada, uma radiografia do tórax. O intuito era confirmar ou não sintomas de pneumonia. Por azar era. E aí, já sabemos o final dessa história, quinze dias depois óbito. Pneumonia tratada com anti-inflamatório? Vai saber.

Para reflexão, de toda essa cruzada, fica a resposta dada pela irmã do falecido quando recebeu os cumprimentos de pêsames: “é a vontade de Deus!”. Depois de me fitar os olhos como a pedir autorização, respondeu: “vontade? Não. É má vontade e não é de Deus, mas do infeliz que não viu em meu irmão alguém que merecesse dele um pouco de atenção e uma radiografia”.

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